Nas capas da Rolling Stone

 Rolling Stone. Uma revista de 51 anos de idade. Que surgiu na explosão da contracultura e acompanhou todas as ondas e tendências das gerações seguintes. 
 Eu já ouvi algumas vezes se referirem à revista como a "bíblia dos roqueiros". Não vejo dessa forma. Algo desse tipo seria a revista inglesa Q, um verdadeiro tijolo mensal que dissecava a carreira de vários artistas e que era Rock da primeira à última página. Ou outras inglesas como Mojo e Classic Rock, ou até a americana e, bem alternativa Spin.
  Por que não vejo a RS como a tal "bíblia"? Porque ela vai bem além da música e tem doses pesadas de Política, TV, Cinema, Esportes e, voltando à música, se tornou muito cafona com o passar dos tempos. 
  Pretendo falar um pouco sobre a trajetória da revista não fazendo pesquisas, mas através das histórias que acompanhei com os anos: um documentário que assisti quando a revista completou 25 anos (1992) e, principalmente, quando comprei uma edição comemorativa de de 30 anos em que vinha o encarte com todas as capas até então. Elas já são suficientes para contar boa parte da história, mas após a internet eu ainda fiquei por um bom tempo acompanhando as capas e, após a chegada da revista no Brasil, algumas capas e reportagens eram as mesmas de fora.

   

  A primeira edição foi às bancas em novembro de 1967. Era, ainda um jornal. John Lennon estampava a capa, numa cena do filme Como Eu Venci a Guerra, de Richard Lester. Até o número 8 era exatamente como um jornal; por mais que tivesse a foto grande, uma grande parte do texto tomava conta do resto. Das outras edições em diante a foto já preenchia toda a capa, que também passou a ser mais colorida.
  Nos seus primeiros anos (e últimos dos anos 60) estiveram nas capas artistas como Beatles, Rolling Stones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Bob Dylan, além dos festivais de Monterrey e Woodstock, que tiveram cobertura completa.


        


 Obituários

 Depois das loucuras dos anos 60, vários artistas morreram devido aos excessos de drogas e álcool. Então, logo no começo da década várias capas anunciavam suas mortes e os homenageavam já que continha apenas seus nomes e ano de nascimento e morte. A passagem do Rei Elvis foi na segunda metade da década.

 David Cassidy

  O cantor recém-falecido era um ídolo teen no início dos 70 e brilhava no seriado A Família Dó-Ré-Mi. Em 72 deu uma entrevista falando sobre sexo, maconha e ainda saiu pelado na capa. A idéia da revista era explorar ainda mais a sua sexualidade, mas o resultado acabou sendo outro: a carreira de Cassidy caiu ladeira abaixo.

 Quero ser capa

 Naquela época, ser capa da revista já era um grande status. Um grupo fez uma música bem humorada chamada "Cover of the Rolling Stone", que a letra era mais ou menos assim: "Rolling Sone, quero ver minha foto na capa / Stone, quero comprar cinco cópias para minha mãe...". O nome do grupo era Dr. Hook & the Medicine Show e, algum tempo depois não deu outra, lá estavam eles na capa.

 Elton John

 Em 1976, Elton John deu uma grande entrevista na qual revelou que era bissexual. Isso mesmo, nessa época, o auge da sua carreira, Elton era bissexual e chegou até a se casar com uma mulher. Não se imaginava que ele se tornaria o ícone gay das décadas seguintes.

 Cameron Crowe e Led Zeppelin

 Até hoje a revista é vista com maus olhos pelos roqueiros, devido ao tratamento que ela dava à maior banda do mundo no momento. Para a revista a banda era irrelevante e seus álbums eram debochados pela crítica, que venerava artistas politizados como The Band e Crosby, Stills & Nash. Na época do lançamento do lendário quarto disco (IV, ou Four Symbols), foi a gota d'água para Jimmy Page que não acreditava como um disco com "Stairway to Heaven" e "When the Levee Breaks" pudesse ser minimizado. A banda não havia sido nem capa da RS ainda. Tudo mudou quando um adolescente chamado Cameron Crowe viajou com a banda e fez ambos os lados fazerem as pazes. Finalmente o Led estava na capa da revista. Essa incrível história é contada de forma indireta no excelente filme Quase Famosos, dirigido pelo próprio Crowe. No filme, o jovem jornalista teve o nome de William Miller, e o Led é representado como Stillwater.

 Melhores do Ano

 A primeira lista de "melhores do ano", lá chamada de "Reader's poll" e "Critic's poll" (votação dos leitores e dos críticos), elegeu os melhores de 1977 e saiu no comecinho do ano seguinte. Os leitores elegeram Rumours do Fleetwood Mac como disco do ano , e "Dreams" (da mesma banda) como melhor single. A crítica escolheu o disco Never Mind the Bollocks dos Sex Pistols  e o single "Night Moves" de Bob Seger. Desde então as votações passaram a ser publicadas a cada ano, elegendo além de discos e singles, artista do ano, melhor nova banda e outras categorias e, muitas vezes até os piores do ano.

  A última foto

  No dia 8 de dezembro de 1980 a consagrada fotógrafa Annie Leibovitz foi fotografar John Lennon e Yoko Ono. O artista estava retornando à carreira depois de um longo hiato e acabava de lançar o disco Double Fantasy.A icônica foto mostrava Lennon nu, agarrado à Yoko (vestida) como um filho à uma mãe. Horas depois, John era assassinado na frente do edifício em que morava.  

                             

                                                                          


 "Só cabe um"

 No início de 1987 o Bon Jovi estava no topo do mundo com o álbum Slippery When Wet. Quando o grupo ia ser capa, o líder e super sex-symbol, Jon Bon Jovi sugeriu que todos os integrantes aparecessem na capa. O pessoal da revista falou que não era uma boa idéia, já que eram cinco caras e não caberiam totalmente no espaço da capa, que acabou sendo somente o vocalista mesmo. Jon ficou muito surpreso quando, três edições depois a capa era Paul Simon com dez músicos africanos.


             


 Nirvana e Red Hot

 O início de 1992 foi muito importante para o Rock devido ao estouro do Rock Alternativo e o surgimento do Grunge. Logo o Nirvana estaria na capa da revista. Só que o provocador Kurt Coubain não ia deixar barato: fez questão de ser fotogrado com uma camiseta com os dizeres: "revistas corporativas são um saco", para a fúria do fotógrafo que chegou a dizer "não dá pra tirar só um pouco?'
  Já o Red Hot Chilli Peppers tiraram uma foto nus para a capa, algo que tinha a ver com o estilo sacana do grupo. Entre a sessão de fotos e a publicação, o guitarrista John Frusciante deixou o grupo, alegando não ter mais pique paras desgastantes turnês. A revista, para não soar desatualizada, exclui Frusciante, ficando apenas três pelados na capa. A banda ficou enfurecida, alegando que o guitarrista era fundamental para o sucesso que a banda havia alcançado.

 São Paulo

 Comprei uma edição de fim de ano (1996) com a Pamela Anderson e Beavis and Butthead na capa. Imaginem a minha surpresa quando eu vejo que tem uma reportagem de muitas páginas sobre a cidade de São Paulo (incluindo a região metropolitana, Grande São Paulo). Com fotos em preto e branco do renomado fotógrafo Sebastião Salgado (que trabalhava para a revista) me lembro de um trecho em que dizia que a maioria da população vivia na pobreza, mas que uma minoria de aproximadamente dois milhões de pessoas dirigiam Volkswagem e comiam no McDonalds.

                 

 Radiohead

 O terceiro disco do Radiohead, Ok Computer, foi uma verdadeira revolução na História do Rock e, entre outras glórias, foi indicado ao Grammy de Album do Ano. Isso não foi suficiente para o grupo ser capa da revista, feito que até o The Verve conseguiu. Em 2000, outro enorme marco na Música, o disco Kid A que além de ser o disco do ano, ainda chegou em primeiro lugar na Billboard, tirando Madonna do posto. Somente no ano seguinte, na época do lançamento de Amnesiac que a revista colocou os ingleses na capa. Em 2017 a revista celebrou os 20 anos de Ok Computer com uma foto, da época, de Thom Yorke. 

 Brasileira

 Eu tinha esperanças que o Sepultura pudesse sair numa capa da Rolling Stone, ou um atleta como Ronaldo. Mas a primeira e única capa com um brasileiro, ou melhor uma, foi Giselle Bünchen, em setembro de 2000 e dizia: "a garota mais linda do mundo".

                              


                          

 Péssima fase

 À partir de 1999 o Pop de mau gosto passou a dominar o mundo novamente. Britney Spears, Backstreet Boys N'Sync, Ricky Martin...e a revista caiu de joelhos para esses artistas. Os leitores também mudaram , já que na enquete dos melhores do ano de 1999 os Bacstreet Boys ganharam absolutamente tudo, enquanto os favoritos das crítica foram Nine Inch Nails e Rage Against the Machine. Em dezembro de 2000 a revista fez, em parceria com a MTV, uma votação com as 100 melhores músicas Pop de todos os tempos. "Yesterday" foi a número 1 e "I Want it That way" dos Backstreet Boys ficou em décimo, além de conter Britney, N'Sync, entre outros.

 Enormes injustiças

 Todo mundo que fez história na Música passou pelas capas da RS americana certo? Nem tanto. Artistas essenciais foram desprezados. Por exemplo, o Queen que está tão em voga novamente, devido ao sucesso do filme Bohemian Rhapsody, nunca foi capa. Deep Purple, Emerson Lake and Palmer, Yes, The Smiths, Pixies, Sonic Youth, INXS, Björk, Depeche Mode, New Order, Black Sabbath, Iron Maiden,The Cure,Queens of the Stone Age, entre outros, nunca foram capa da RS norte-americana. 


                      


 Nunca é (tão) tarde...

 O Kiss finalmente conseguiu sua capa em 2014, nas comemorações de seus 40 anos de carreira. Meses depois Paul Stanley criticou que Kim Kardashian estava na capa. O Rush também levou décadas para ter a sua, apenas em 2015. O grupo fez piada, dizendo que "ainda bem que foi antes de 2112", citando seu famoso álbum.


                


                                                  

 Rolling Stone no Brasil


 Me lembro de ter ouvido falar, ainda nos anos 90, que o Brasil tinha tido uma versão nacional da RS nos anos 70 e que, artistas como Gal Costa tinham sido capa. Durou pouco. Não sei se por causa da ditadura, ou porque não havia uma cena tão Rock n'Roll assim. A década de 80 teria sido a época certa.
 Imagina a surpresa ao saber, em 2006 que a revista chegaria ao país. Em 2006, quando todo mundo estava conectado à internet e revistas como a Bizz estavam extintas. Eu já sabia que não ia dar muito certo. A primeira capa trazia Gisele Bünchen (sempre ela!), uma forma de começar com um ícone nacional. Eu até que comprei várias edições, principalmente quando tinha algum artista que eu gostava na capa. Mas tenho que admitir: que revista chata! Que saudade da Bizz! As reportagens de fora são chatas, as críticas não conevencem, tem muita reportagem de política, muita coisa sobre moda e estilo...um saco!
  Até que durou bastante tempo, doze anos.





   


     


  Nos anos 2000 foram lançadas algumas edições históricas, com listas incríveis como os 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos, as 500 Melhores Músicas de Todos os Tempos, 100 Maiores Artistas, etc. Essas ediçoes inclusive, chegaram a sair por aqui. Nos últimos anos  perdeu aquele formato gigante, e é publicada no tamanho de uma revista comum. Numa época em que jornais, revistas, bancas e livrarias estão desaparecendo, ela continua aí, rolando como uma pedra.

                                                      Francisco de Oliveira Junior